quarta-feira, 11 de setembro de 2019

174- Neon Genesis Evangelion


Neon Genesis Evangelion é um lendário e excelente anime que se situa no ano de 2015, em um cenário em que a humanidade é ameaçada por seres misteriosos conhecidos como Anjos. Estas entidades são imunes a armas convencionais, pelo que são necessários meios adicionais e mais sofisticados para as combater, os Evangelions. Estes mechas só poderão ser utilizados por jovens adolescentes, monitorizados e seleccionados por entre as populações, dotados de aptidões específicas que garantam o seu manejo efetivo dos Evangelions e existem cinco "Crianças escolhidas". Esse processo de monitorização dos potenciais futuros utilizadores dos Evangelions é executado por parte da organização conhecida como Instituto Marduk.
Para que uma Criança possa utilizar o Evangelion, deverá haver uma sincronização perfeita do seu corpo e mente com o equipamento de combate, que envolve desde os pequenos organelos e componentes celulares até aos restantes órgãos sensoriais, o que permite uma superior precisão no desempenho da luta e manuseamento das armas.
Os Evas são sincronizados com a personalidade das pessoas, bem como o seu corpo, daí que podemos observar que as crianças sentem dor numa parte do corpo quando o mecha é atacado. Quando a Criança não se encontra em condições para lutar, poder-se-á ativar o sistema falso, que opera como que um piloto automático, na medida em que memoriza a sincronização Evangelion-humano para lutar de forma autonomizada. Contudo, a sincronização não é perfeita e perdura por um período de tempo mais reduzido. Os Evas são dotados de almas reminiscentes das mães das Crianças (nomeadamente Ikari Shinji e Asuka Langley (no caso do de Ayanami Rei, desconhece-se a alma que é portada, embora possa ter sido da primeira Rei, que fora assassinada, sendo que as restantes são clones)). Daí que cada Criança só pode pilotar o seu próprio Eva.

O Primeiro Anjo, Adão, foi descoberto na Antártica, em 2001, e possuía uma aparência humanóide. Aquando da investigação, Adão despertou, o que provocou a destruição do continente, acarretando com consequências climatéricas danosas, bem como agressivos conflitos armados à escala mundial. O evento ficou conhecido como o "Segundo Impacto", pelo que, na necessidade de evitar uma situação semelhante no futuro, uma organização chamada Nerv foi fundada, sendo esta responsável pela constituição dos Evangelions, com o propósito de destruir os Anjos, estando localizada numa base subterrânea secreta. A Nerv, embora permaneça vinculada ao controlo da ONU, desfruta de considerável autonomia, dado que esta não possui capacidades para enfrentar os Anjos e transferiu essa missão para a Nerv. Existem Anjos com diversificados feitios e poderes, contudo, todos partilham a habilidade de ativação do Campo AT, que os defende de ataques adversários. Somente os Evangelions, que possuem força equiparável aos Anjos, poderão evitar este desastre, uma vez que esses mechas são concebidos através da base genética do Adão (à exceção da Unidade 01, pilotada por Shinji, que possui a base de Lilith (explicarei esta parte melhor, mais abaixo)).

No entanto, ao longo do anime, o enredo acabará por se separar deste conjunto de informações relativas às origens dos Anjos e aos verdadeiros interesses dos dirigentes da Nerv e da Seele (os seus superiores). Por sua vez, irá enveredar por uma análise de foro psicológico, aos protagonistas do anime: Shinji Ikari, Rei Ayanami, Asuka Langley e Misako Katsuragi. Entende-se que o interesse do anime seria a convergência da sua história para estas personagens, visando a atenção do visualizador para captar as suas características e a evolução (ou a ausência dela) de cada uma das mesmas. Poderemos tirar variadíssimas interpretações sobre o arco final da série. Aditivamente, o anime possui um final alternativo, mais esclarecedor sobre os Anjos, instituições e os objetivos dos seus dirigentes no filme "The End of Evangelion".

Assiste-se a uma progressiva degeneração psicológica das personagens, após os períodos de conflitualidade contra os Anjos, bem como os receios e dúvidas que são inerentes a este sempiterno combate patrocinado pelos seus superiores, que não aparenta ter uma solução ou explicações concretas para a sua existência - como que se as missões não tivessem um objetivo esclarecedor. Os dilemas passados e presentes nas vidas dos protagonistas mesclam-se e agravam-se com o ingresso nestas missões, maioritariamente devido à incerteza e pressão que elas acarretam. Adicionalmente, em cada personagem, poderemos enxergar problemas que nos afetam, enquanto humanos e membros de uma sociedade, que poderão ser fruto dos dilemas pessoais do autor do anime, Hideaki Anno, uma vez que este lutara contra problemas financeiros e depressão durante a produção de Neon Genesis Evangelion.

Por exemplo, Shinji considera correto fazer as coisas conforme lhe ordenam, pelo que a sua capacidade de discernimento individual e opiniões não se compadecem com as intenções e diretrizes dos seus superiores. As suas hesitações e receios surgem como um método de defesa e reivindicação dos seus direitos, contra os superiores, embora não possa eliminá-los da sua vida, pois é psicologicamente dependente deles e não se sente bem ao afastar-se das suas responsabilidades.
Asuka, por sua vez, representa a necessidade do Homem inseguro em subestimar e rebaixar os outros pelos seus defeitos (ou qualidades), de modo a sentir-se bem consigo mesma, o que surge igualmente como uma tentativa de afirmação individual e uma maneira de lidar com a sua revolta pelo seu passado infeliz, que a incomoda, mas que não dá a conhecer a ninguém - talvez por vergonha de se mostrar sentimental e pouco hirta.
Rei representará aquilo que os Homens verdadeiramente são, aquilo que procuram de si mesmos, de uma forma peremptória, ao entenderem que estão a agir de um modo que não corresponde aos seus interesses e sentimentos - a sua verdadeira identidade, o verdadeiro "eu".

Misako, por outro lado, sendo a protagonista adulta, representa os problemas da vida adulta: as dificuldades amorosas, a procura incessante pela aprovação por parte de terceiros, desacordos com colegas de trabalho, bem como o refúgio na bebida. Misako demonstra igualmente uma preocupação, de forma mais notável, relativamente aos mistérios que envolvem a Nerv e os Anjos, entendendo que, de facto, há determinadas coisas que "não batem certo". Por outro lado, as preocupações de adolescentes, mais evidentes nas rixas entre Asuka e Shinji, pairam sobre a legitimidade de infligir dano em outros humanos, o medo da reprovação, problemas de índole familiar e incertezas sobre o funcionamento dos Evangelions (como por exemplo, a ausência de sincronização de Asuka com o seu mecha, a Unidade 02, nos últimos arcos do anime, ou a relutância de Shinji em atacar a Quarta e a Quinta Criança, por serem humanos, apesar de estarem do lado adversário).

A Quinta Criança, Kaoru Nagisa, simboliza, através de uma forma alegórica, aquilo que os Homens verdadeiramente amam na sua vida, mas que deverão sacrificar (total ou parcialmente) para que possam garantir a sua sobrevivência em sociedade. A afeição de Shinji a Kaoru incorre precisamente pelo facto de que este aparentava ser a única pessoa que compreendia verdadeiramente os seus sentimentos e que se demonstrava como sendo um amigo genuíno. Contudo, a sua condição antagónica, por ser um Anjo (mas simultâneamente uma Criança), impôs que Shinji o matasse.

As várias instituições (Seele, Nerv, Marduk) são as condicionantes da nossa liberdade, que limitam a atividade humana em prol de outros interesses, ou do Estado, ou do interesse coletivo, que envolve a domesticação do interesse individual, conforme as filosofias de Thomas Hobbes ou Immanuel Kant reiteram. O anime não surge, a meu ver, como uma crítica à sociedade, mas antes uma análise psico-sociológica, com a qual nos podemos todos identificar ou uma maneira de o autor expressar o seu descontentamento com a vida que levara. Contudo, as interpretações diferem entre cada um, evidentemente. Devido à falência e defeitos de cada humano, é essencial que estes operem em cooperação mutualizada, aquilo que no próprio anime é chamado de "projeto de auxílio", havendo uma complementação do potencial de cada um. Não existe outro modo de vida: o Homem é um animal social e destinado a viver dessa forma.

O filme "The End of Evangelion" apresenta um final alternativo à série, em que os planos da Seele em conceber o Projecto de Instrumentabilidade Humana serão colocados em prática. O seu objetivo é a unificação da humanidade, como um conglomerado de almas, em Lilith, a sua progenitora. Para isso, será necessário o contacto do Evangelion Unidade 01 com a respetiva Lança de Longinus, que tinha sido retirada do corpo de Lilith, situado no Terminal Dogma, na base subterrânea. Com isto, irá garantir-se a evangelização da humanidade, na medida em que esta retornará ao seu estado primordial, conglomerada no Ovo de Lilith. Este processo é o chamado de Terceiro Impacto.

Se Lilith é a progenitora dos Homens, Adão é o progenitor dos Anjos, pelo que ambas as raças não podem coexistir na Terra e os Evangelions foram concebidos, novamente reitero, da mesma linha genética de Adão, para os vencer. No momento em que a Unidade 01 toma a Lança e se complementa com outros Anjos, assume uma forma superior, que posteriormente consome partes da Semente da Vida (pertencente a Adão e denominada de "sistema S2" na série). Consequentemente, o Evangelion converte-se num ser supremo, divino, uma vez que aglomera na sua égide a Semente da Vida e a Fruta da Sabedoria (de Lilith). Uma das propriedades do sistema S2 é a ativação de um campo anti-AT, que liberta as almas dos respetivos corpos humanos e permite a sua fusão (pelo que o campo AT alude ao corpo, que agrega e protege a alma no seu interior).
Contudo, Shinji entende que a remoção da individualidade dos Homens é errada. Ainda que o Terceiro Impacto tenha juntado todos os Homens em uma só consciência, o que impossibilitaria a capacidade de se magoarem uns aos outros, a individualidade, identidade e condição humana que nos são inerentes foram excluídas. Shinji apercebe-se que, apesar de todos os seus defeitos e de todos os defeitos dos outros, é mais importante que os Homens consigam viver em comunidade e que se amem, aceitando-se cada qual pela sua própria individualidade e complementando-se de forma recíproca. Embora o filme termine numa incógnita, a frase final de Asuka, que novamente demonstra a sua atitude grosseira para com Shinji, indicia que o resto da humanidade terá as suas almas devolvidas.

Devemos observar o anime como uma representação surrealista e alegórica das relações inter-humanas, tanto no que é positivo, como no negativo. Compreendemos que, de facto, tudo aquilo que existe na nossa sociedade deverá servir como um incentivo para o nosso aprimoramento pessoal e uma forma de propiciar um convívio sustentável com os nossos congéneres. É através dos obstáculos, erros e dificuldades da vida que os Homens se desenvolvem, arranjando meios para apaziguar ou contornar essa situação, operando-se, coletivamente, para o bem comum, através da perseguição dos nossos objetivos.  Conforme Alexander Pope reitera, "se algo existe, é bom".
Há diversificadas interpretações para este anime, tal como podemos observar nas discussões dos fóruns do Myanimelist, por exemplo. Encontrei duas frases realmente curiosos, que colocam o anime em perspetiva: "Os primeiros 24 episódios são fillers. Os 25 e 26 são Evangelion" e "Quem quer que esteja a ver esta série pela ação, está definitivamente a ver a série errada" (aqui).


Imagens:






Vídeo:

Poderão assistir o anime inteiro e os filmes no site Goyabu.

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