sexta-feira, 16 de setembro de 2022

221- Nido to Mezamenu Komori Uta


Nido to Mezamenu Komori Uta, também conhecido como The Death Lullaby, é um pequeno filme de 1985, criado e dirigido por um dos mais interessantes artistas japoneses de animação experimental, Hiroshi Harada. O anime aborda dois temas, aparentemente dissociados um do outro, mas que se parecem complementar melhor, através de metáforas, à medida que o filme progride: a violência nas escolas e discriminação social; e o desenvolvimento industrial de um Japão capitalista, no decorrer da segunda metade do século XX. 

De início, parece-nos que o primeiro tema é o elemento central deste filme, uma vez que também é mais impactante para o espetador, tanto pela carga emocional e psicológica que acarreta, assim como pela proeminência visual dessas cenas ao longo do filme. Mas, entretanto, o espetador apercebe-se que as referências à industrialização, que vão aparecendo, e todas as consequências que esse fenómeno teve para o Japão tradicional (como a poluição ambiental e sonora, a reconfiguração dos espaços urbanos e habitacionais até então existentes e a expropriação forçada da propriedade dos residentes) não aparecem por acaso. Acontece que a interpretação desta mensagem conjunta poderá diferir de espetador para espetador e iremos dar alguns vislumbres acerca disso, mais adiante.

O nosso protagonista é um rapaz sem nome, conhecido apenas pela alcunha pejorativa de "dente protuberante", por ter os seus dentes incisivos centrais inferiores muito grandes, ao ponto de saírem para fora da boca. Esta sua característica física não só se torna num pretexto para os seus colegas de escola, mais fortes e encorpados que ele, gozarem com ele e baterem-lhe, como também o converte num autêntico pária da sociedade. Nem mesmo pelos adultos, figuras de autoridade, de quem se esperaria alguma consideração e hombridade, este jovem é respeitado. 

As únicas pessoas que o amparam são as da sua família, que também não se encontra numa boa situação. Tanto o seu pai, quanto o seu avô já faleceram e a sua mãe encontra-se hospitalizada, com uma doença. O jovem reside somente com a sua avó, de saúde já bem fragilizada.

Paralelamente a isto, é-nos demonstrada a rápida industrialização do Japão e a sua transição para um regime economicamente e socialmente ao estilo ocidental. Eis que os círculos mais tradicionais da sociedade japonesa não acompanharam esta célere transformação das atividades produtivas nacionais, revelando-se desconfiados e até mesmo perturbados com todas as consequências que a industrialização exigira. Enquanto que as mais recentes inovações ao nível dos transportes, como as aeronaves e o Shinkansen eram motivo de aproveitamento político e de ostentação de poderio económico, para os residentes em bairros mais humildes, não passavam de um tenebroso tormento, que faziam lembrar os traumáticos banzés da Segunda Guerra.

Harada trata de nos demonstrar isso mesmo - que a industrialização do Japão do pós-guerra condicionou as liberdades individuais e coletivas de certos setores da sociedade japonesa, que não tiveram quaisquer reservas em firmar, desde logo, a sua resistência perante o Estado. O anime inclui algumas filmagens reais sobre episódios como a luta de Sanrizuka, iniciada na década de 1960, que uniu setores de esquerda e de direita tradicionalista, assim como agricultores e moradores da área, contra a construção do Aeroporto de Narita; assim como várias filmagens dos efeitos da poluição industrial na fauna nativa.

Então, de que forma é que estes dois assuntos, aparentemente tão distintos entre si, se relacionam? É aí que a nossa imaginação toma lugar. Não querendo colocar palavras ou ideias na cabeça de Harada, poderemos assumir o menino como uma alegoria aos habitantes destes bairros do Japão tradicional. A morte ou enfermidade dos seus entes queridos pode ser interpretada como uma alegoria para a contaminação do meio ambiente e dos recursos naturais por causa da poluição (não nos esqueçamos que estas comunidades menos industrializadas tendem a depender mais daquilo que a natureza lhes oferece, pois a agricultura é uma atividade proeminente nesses meios). 

A violência e o desrespeito que o menino sofre por parte de terceiros poderão significar também a violência e o desrespeito das grandes forças políticas e económicas face aos costumes e práticas do Japão tradicional. Já a vingança pessoal do rapaz é figurada em paralelo com as filmagens da resistência popular contra o governo. Desta forma, através da representação de um problema premente na sociedade, de cariz mais individualizado, faz-se a transposição para um outro problema social, de maior envergadura, que envolve mais pessoas, tanto enquanto causadores de uma perturbação, tanto como sofredores das suas consequências, numa escala macroscópica.

Sem querer estar a prolongar ainda mais a publicação, resta-me dizer que Nido to Mezamenu Komori Uta é um filme bastante interessante e com uma animação e visuais bem característicos de Harada, presente em outras das suas contribuições, como o clássico Midori Shoujo Tsubaki. Não recomendo, no entanto, a assistência a este filme por parte de pessoas fotossensíveis, devido aos efeitos visuais e luminosos pulsantes que lá aparecem, com alguma frequência.

A última imagem é um pequeno aperitivo, uma simulação de violência gráfica com uma entidade real, neste caso, de um manequim. Não é uma situação única no filme e é uma técnica utilizada em animes de horror antigos, conforme no caso de Youkaiden Nekome Kozou (podem ler um pouco mais sobre isto na publicação que fiz no ano passado, sobre a história dos animes violentos).

 

 

Podem assistir o filme completo, legendado em inglês, através do Youtube:

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